"Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa".
Macbeth, Ato 5, Cena 5, linhas 22-31

23 de set. de 2010

Immanuel Kant


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Immanuel Kant - 1724 * 1804
Vida e Obra:
Immanuel Kant é, muitas vezes, considerado o maior filósofo desde os Gregos. Não há dúvida de que domina os últimos duzentos anos, no sentido de que – apesar de poucos filósofos contemporâneos possam ser considerados kantianos, no sentido restrito do termo – a sua influência encontra-se um  pouco por toda a parte. Para além disso, esta influência estende-se a um vasto número de áreas da Filosofia: epistemologia, metafísica, estética, ética, política, religião. Devido à enorme importância de Kant, e à variedade das suas contribuições e influências, esta entrada de enciclopédia está dividida em várias subsecções. O que se segue é um breve resumo da vida e obra de Kant, seguido de uma panorâmica sobre os temas que atravessavam a sua obra, tornando-a uma “Filosofia crítica”.
Kant nasceu em Königsberg, na Prússia (actualmente Kalingrad, na Rússia), em 1724, filho de paisPietistas Luteranos. A sua formação inicial, primeiro numa escola pietista, e depois na Universidade de Königsberg, foi em Teologia, mas rapidamente se sentiu atraído pelas questões da Física, e especialmente pelo trabalho de Isaac Newton. Em 1746, dificuldades financeiras obrigaram-no a desistir da Universidade. Após nove anos a ganhar o seu sustento como tutor dos filhos de famílias ricas de distritos periféricos, regressou à Universidade para acabar o curso e entrar na vida académica, embora inicialmente (e durante muitos anos) na modesta categoria de leitor. (Só em 1770 é que lhe foi dada a cátedra de lógica e metafísica, em Königsberg) Continuou a trabalhar e a dar palestras, bem como a publicar textos, sobre uma grande variedade de temas, mas especialmente sobre Física e as questões metafísicas por detrás da Física e da Matemática. Raramente deixava a sua cidade-natal, e gradualmente acabou por se tornar uma celebridade local devido ao seu carácter brilhante, inteligente, mas excêntrico.
O trabalho inicial de Kant inseria-se (embora não de forma dogmática) na tradição do grande Racionalista Alemão Leibniz, e especialmente do seu seguidor Wolff. No entanto, por volta de 1760, admirava cada vez mais o grande rival de Leibniz, Newton, e já tinha também influências do cepticismo empirista de Hume e do pensamento ético e político de Rousseau. Neste período, produziu uma série de obras que atacavam o pensamento de Leibniz, argumentando que as ferramentas tradicionais da Filosofia – a lógica e a metafísica – tinham de ser reconhecidas como sendo extremamente limitadas no que diz respeito a obter conhecimento da realidade. (Afirmações semelhantes, aparentemente cépticas, eram relativamente comuns durante o Iluminismo.)
.Foi só no final da década de 60 do século XVIII, e especialmente na sua Dissertação (On the Forms and Principles of the Sensible and Intelligible World [´inaugural Dissertation´]) de 1770, que Kant começou a voltar-se para as ideias que o tornariam famoso e mudariam a face da Filosofia. Nesta dissertação, argumentava a favor de três novas ideias: primeiro, que as representações sensíveis e conceptuais do mundo (por exemplo, o facto de ver três cavalos, e o meu conceito de “três”) deviam ser entendidas como sendo duas fontes muito distintas de um possível conhecimento. Segundo, segue daí que o conhecimento da realidade sensível só é possível se os conceitos necessários (tal como a substância) já estiverem disponíveis para o intelecto. Este facto, afirma Kant, também limita a possibilidade efectiva de aplicação destes conceitos.
Finalmente, Kant afirmava que as representações sensíveis eram só de aparências, não das coisas como elas realmente são. Isto acontecia porque o espaço e o tempo, que descrevem a estrutura básica de todas as aparências sensíveis, não são existentes nas coisas em si, mas são apenas produto dosnossos orgãos dos sentidos. A percepção das coisas no espaço e no tempo é uma função da mente do preceptor. A hipótese de que tanto os conceitos fundamentais como a estrutura básica de espaço e tempo existem a priori na mente é um tema básico do idealismo de Kant. É importante reconhecer que esta última afirmação acerca do espaço e do tempo também exacerba a limitação imposta acima, ao propor um reino inteiro de “numenos” ou “coisas” em si, que, necessariamente, está para além do conhecimento no seu sentido comum. Estas ideias novas e, muitas vezes, controversas, com algumas modificações importantes, viriam a formar a base do seu  projecto filosófico, para o resto da sua vida.
Depois de publicações muito frequentes, nos 15 anos que lhe precederam, a Dissertação iniciou uma fase aparentemente tranquila da obra de Kant, que percebeu que tinha descoberto uma nova forma de pensamento. Agora, precisava de demonstrações rigorosas das suas novas ideias, e tinha de investigar as implicações que as mesmas teriam. Precisava, inclusivamente, de encontrar uma nova linguagem filosófica para expressar correctamente pensamentos tão originais. Isto demorou mais de uma década da sua vida. À  excepção de uma notável quantidade de correspondência, durante este período, Kant não publicou nada até à grandiosa primeira edição da Crítica da Razão Pura, em 1781 (segunda edição revista, 1787)
Durante as duas décadas seguintes, contudo, perseguiu a sua nova Filosofia, alargando-a a diferentes áreas, escrevendo livros ou publicações mais pequenas sobre quase todos os tópicos filosóficos possíveis. Esta nova Filosofia viria a ser conhecida como Filosofia “crítica” ou “transcendental”. É importante salientar as, assim chamadas, três Críticas: a Crítica da Razão Pura (1781/1787), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790). Kant rapidamente se tornou famoso no mundo de língua alemã, e pouco depois, em toda a parte. Esta fama não significou, no entanto, louvor universal.
O trabalho de Kant foi ardentemente discutido em todos os círculos – o seu trabalho sobre religião e política chegou mesmo a ser censurado. Por altura da sua morte, em 1804, filósofos como Fichte,Schelling e Hegel, já caminhavam em novas direcções filosóficas, direcções estas que teriam sido impensáveis sem Kant.
Obra
Advertência:
Existem inúmeras edições da obra Kantiana, especialmente dos textos originais, que como é do conhecimento geral, são em alemão. Contudo, resolvi por aqui as edições inglesas e por três motivos. Primeiro, porque são as que conheço e trabalhei, segundo, porque a língua inglesa é mais acessível e mais familiar aos estudantes a quem estas lições se dirigem e terceiro, porque um já académico terá um acesso mais facilitado aos respectivos originais e dispensará esta consulta. Mas, e respeitando a capacidade e a vontade, de cada um e de todos, oportunamente colocarei uma exaustiva - tanto quanto possível -  bibliografia de textos originais. Deve o aluno lembrar-se que as bibliografias nunca são campos fechados, pois existem traduções, edições críticas e  estudos a serem realizados constantemente. Aqui apresentarei, por ora, só edições das obras.
Quanto às obras em português, contrariamente a David Hume, existem das de Kant várias edições, mas mais uma vez por honestidade, pois são as que conheço, deixarei aqui obras que se encontram quer na Fundação Calouste Gulbenkian quer na Biblioteca de Filosofia das Edições 70.
I
Critique of Pure Reason, trans. Norman Kemp Smith, London, Macmillian, 1978
On the Forms and Principles of the Sensible and Intelligible World [´inaugural Dissertation´], in Cambridge edition I, Theoretical Philosophy 1755-1770, trans. E ed. David Walford in collaboration with Ralf Meerbote, Cambridge, Cambridge University Press, 1992, pp. 373-416
On Common Saying: "Thus Must be True in Theory, But it does not apply in Practice",in Kant: Political Writings, trans. H. Nisbet, Edição Hans Reiss, Cambridge University Press, 1991, pp. 54-60
Perpetual Peace: A Philosophical Sketch, in Kant: Political Writings, trans. H. Nisbet, Edição Hans Reiss, Cambridge University Press, 1991, pp. 54-60
The Conflict of the Faculties, trans. Mary J. Gregor, NY, Arabis Books Inc., 1979
Critique of Judgement, trans. James Creed Meredith, Oxford University Press, 1973
On the Discovery that any New Critique of Pure Reason has been made Superfluous by any earlier one, trans. Henry H. Allison, Baltimore and London, Johns Hopkins University Press, 1973
Prolegomena to any Future Metaphysics that will be able to come Forward as Science, in Immanuel Kant: Philosophy of Material Nature, trans. James W. Ellington, Indianapolis, Hackett Publishing Company, 1985
Concerning the Prize Question Posed by the Royal Academy of Sciences in Berlin for the Year 1791: ´What real Progress has Metaphysics made in Germany since the Time of Leibniz and Wolff ?´, trans. Ted Humphrey, NY, Arabis Books Inc., 1983
The Jäsche Logic, in Cambridge Edition IX, Lectures on logic, trans. e ed. J. Michael Young, Cambridge University Press, 1992, pp. 571-640
´An Answer to the Question: “What is Enlightenment?”  in Kant: Political Writings, trans. H. Nisbet, Edição Hans Reiss, Cambridge University Press, 1991, pp. 54-60
Kant: Philosophical Correspondence 1759-99, trans. e ed. Arnulf Zweig, Chicago University Press, S/D   
What is Orientation in Thinking?” in Kant: Political Writings, trans. H. Nisbet, Edição Hans Reiss, Cambridge University Press, 1991, pp. 237-249     
Education, tr. Annette Churton, Ann Arbor, University of Michigan Press, 1966
Lectures on Philosophical Theology, tr, Allen W. Wood and Gertrude M. Clark, Ithaca and London, Cornell University Press, 1978 
Lectures on Metaphysics, in Cambridge Edition X, Lectures on Metaphysics, ed. Karl Ameriks, Cambridge University Press
Opus Postumum, Cambridge edition XII, trans. e ed. Eckhart Foster and Michael Rosen, Cambridge University Press, 1993
Kant: Philosophical Correspondence 1759 - 99, ed. and tr. Arnulf Zweig, Chicago, University of Chicago Press
II
Crítica da Razão Pura, trad. Manuela P. Santos e Alexandre F. Morujão, Lx., Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, 3ª Ed.
O Conflito das Faculdades, trad. Artur Morão, Lx., Edições 70, 1993
Crítica da Faculdade do Juízo, trad. Marques, Intro. e notas de A. Marques e V. Rohden, Lx., INCM, 1992
Os Progressos da Metafísica, trad. Artur Morão, Lx., Edições 70, 1995
Prolegómenos a toda a Metafísica futura, trad. Artur Morão, Lx., Edições 70, 1988
A Metafísica dos Costumes, trad. José Lamego,  Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, 1ª Ed.

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